ATA DA QÜINQUAGÉSIMA QUINTA SESSÃO SOLENE DA PRIMEIRA SESSÃO LEGISLA­TIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA LEGISLATURA, EM 28.11.1989.

 


Aos vinte e oito dias do mês de novembro do ano de mil novecentos e oitenta e nove reuniu-se, na Sala de Sessões do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre, em sua Qüinquagésima Quinta Sessão Solene da Primeira Sessão Legislativa Ordinária da Décima Legislatura, destinada à entrega do Título Honorífico de Cidadão de Porto Alegre ao Professor Rubem Rodrigues, concedido através da Lei nº 6425/89. Às dezessete horas e vinte e três minutos, constatada a existência de “quorum”, o Senhor Presidente declarou abertos os trabalhos e solicitou aos Líderes de Bancada que conduzissem ao Plenário as autoridades e personalida­des presentes. Compuseram a Mesa: Ver. Lauro Hagemann, 1º Secretário da Câmara Municipal de Porto Alegre, no exercício da presidência dos trabalhos; Prof. Olívio Dutra, Prefeito Municipal de Porto Alegre; Dr. QuintilianoVieira, representando o Sr. Governador do Estado do Rio Grande do Sul; Prof. Rubem Rodrigues, Homenageado; Dr. Humberto Lorenci, representando o Vice-Governador do Estado e atual Presidente da Caixa Econômica Estadual, Dr. Sinval Guazelli; Dr. Fernando Luchese, Diretor do Instituto de Cardiologia; Dr. Celestino Granato Goulart, Procurador do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande Do Sul; Dr. Darci Piegas Cordeiro, ex-Governador de Rotary, representando os Rotarianos de Porto Alegre; Senhora Glacy Caruccio, esposa do Homenageado; e Ver. Vicente Dutra, autor da proposição e Secretário “ad hoc”. A seguir, o Sr. Presidente fez pronunciamento alusivo à homenagem, destacando a justeza da referida, tendo em vista os relevantes serviços prestados à comunidade gaúcha pelo Homenageado e, após, concedeu a palavra aos oradores que falariam em nome da Casa. O Ver. Vicente Dutra, em nome das Bancadas do PDS, PDT, PMDB, PT, PTB, PSB e PL, e como autor da proposição, discorrendo sobre a história pessoal do “ilustre filho de Sant’Ana do Livramento”, destacou sua “rápida e brilhante carreira na área médica”. Destacou, ainda, sua ação na vida social e comunitária deste Estado e salientou a importância do Instituto de Cardiologia do Estado do Rio Grande do Sul, fundado pelo Dr. Rubem Rodrigues. E o Ver. Artur Zanella, em nome da Bancada do PFL, relatou situação de como travou conhecimento com o Homenageado e falou da relevância do trabalho realizado por S. Senhoria junto ao Instituto de Cardiologia do Estado do Rio Grande do Sul. Asseverou, ainda, se tratar de merecida homenagem a tão significativa personalidade. Em prosseguimento, o Senhor Presidente convidou os presentes a, de pé, assistirem à entrega, pelo Ver. Vicente Dutra, do Título Honorífico de Cidadão de Porto Alegre e, pelo Sr. Prefeito Municipal, de Medalha ao Prof. Rubem Rodrigues. Após, concedeu a palavra ao Homenageado que, agradecendo a honraria, discorreu sobre os aspectos e motivos que impulsionaram a fundação do Instituto de Cardiologia do Estado do Rio Grande do Sul. Durante os trabalhos, o Sr. Presidente registrou a presença das seguintes personalidades: Dr. Aldo Pinto, Membro do Diretório Nacional do PDT; Dr. Artur Bachini, ex-Deputado Estadual e Procurador do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul; Jornalista Firmino Cardoso, representando a Associação Riograndense de Imprensa; e o Dr. Otávio Germano, ex-Governador do Estado do Rio Grande do Sul. Às dezoito horas e dezesseis minutos, o Senhor Presidente levantou os trabalhos, convidando as personalidades e autoridades presentes a passarem à Sala da Presidência e convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental. Os trabalhos foram presididos pelo Ver. Lauro Hagemann e secretariados pelo Ver. Vicente Dutra. Do que eu, Vicente Dutra, Secretário “ad hoc”,  determinei fosse lavrada a presente Ata que, lida e aprovada, será assinada pelos Senhores Presidente e 1º Secretário. 

 


O SR. PRESIDENTE (Valdir Fraga): Não é preciso dizer-se que a Casa sente-se sumamente honrada com a presença de tão significativos representantes da nossa coletividade nesta Sessão Solene, o que atesta a importância da homenagem que hoje se vai conferir a um dos nossos homens mais honrosos da nossa coletividade, uma homenagem mais do que justa a alguém que se tem destacado, no seio na nossa coletividade, numa atividade muito importante para todos os porto-alegrenses e cujo nome já transcendeu aos limites do Município. Nós registramos, também, com muita satisfação, a presença entre nós de muitas pessoas gradas, de autoridades e, principalmente, de amigos do Professor Rubem Rodrigues.

Concedemos a palavra, com prazer, ao Ver. Vicente Dutra, autor da proposição, que falará pelas Bancadas do PDS, PDT, PT, PMDB, PTB, PSB e PL.

 

O SR. VICENTE DUTRA: Sr. Presidente, Srs. Vereadores, demais componentes da Mesa. Aa Câmara Municipal de Porto Alegre tem prestado, ao longo de sua história, merecidas homenagens àqueles que mais se destacam na comunidade a qual representa. Ela cumpre, assim, seu papel de carrear para seus anais os nomes dos que, de uma forma ou de outra, contribuíram para que a construção social de nossa realidade se tornasse, gradualmente, mais pujante e mais humana.

Raras vezes, contudo, teve a feliz oportunidade de oferecer o título de Cidadão de Porto Alegre a alguém que prestou tão relevantes serviços ao seu semelhante quanto o faz hoje, quando dedica a sua atenção ao eminente Professor Doutor Rubem Rodrigues.

Filho de Santana do Livramento, no nosso Rio Grande, Rubem Rodrigues nasceu em 25 de abril de 1924, e muito jovem ainda veio radicar-se em Porto Alegre, onde recebeu a complementação dos estudos que iniciara em sua terra natal. Estudou no Colégio Rosário, onde fez o curso secundário, e ingressou, em 1944, na Faculdade de Medicina da atual Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Concluiu seu curso em 1950 e no mesmo ano doutorou-se por defesa de tese, ingressando, no ano seguinte, no corpo docente daquela Faculdade, onde foi assistente voluntário da cadeira de Clínica Médica, do Professor Saint Patout. Começava assim a consolidar, o eminente Professor Rubem Rodrigues, ainda muito moço, os irretocáveis laços que teria em comum, e por toda a vida, com a medicina e com a universidade.

Em 1953 foi nomeado assistente de ensino efetivo de Clínica Médica, e entre 1956 e 1958 realizou estágio e curso de pós-graduação em Cardiologia, doutorando-se no Instituto Nacional de Cardiologia do México, de onde seguiu para New Orleans para completar o estágio no Charity Hospital da Universidade de Toulain, naquela cidade norte-americana.

Retornou a Porto Alegre e transferiu-se para a cátedra de Clínica Propedêutica Médica, na condição de assistente de ensino. Em 1961, confirmando a rápida e brilhante carreira que fazia na docência do ensino superior, submeteu-se a concurso para livre Docência na Faculdade de Medicina, sendo aprovado com grau dez nas provas de título e de defesa de tese. Em 1963 foi promovido a professor adjunto na Universidade Federal, e como professor titular passou a dirigir a cadeira de Cardiologia da Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre, denominada, na época, Fundação Faculdade Católica de Medicina de Porto Alegre.

O professor e profissional Rubem Rodrigues daria um passo gigantesco em defesa da ciência, quando em 8 de outubro de 1966 instituiu a Fundação Universitária de Cardiologia; tornou-se seu primeiro Diretor-Presidente, cargo que ocupa até esta data. Em 1967 assinou convênio entre aquela Entidade e a Secretaria da Saúde e Meio Ambiente, ocupando o cargo de diretor do Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul, que exerceu de forma brilhante, por dois longos períodos: entre 1967 e 1973 e entre 1979 e 1987.

O Instituto de Cardiologia ocupa, hoje, posição de destaque no País em nível internacional, graças a sua extraordinária equipe de profissionais que introduziram técnicas modernas nas cardiopatias – com destaque os transplantes de coração.

É muito difícil fazer-se referência a todos os títulos e a todos os êxitos do Professor Rubem Rodrigues, mesmo que pudéssemos desconsiderar toda a contribuição oferecida à sociedade através dos inúmeros cientistas que iniciaram a atividade médica como seus alunos. Foi professor, por exemplo, da disciplina de Métodos Especiais e Intensivos de Tratamento – Mestrado e Doutorado – do Curso de Pós-graduação em Medicina Interna, área de Cardiologia da Universidade Federal em 1976, 1977, 1981 e 1984. Foi professor da disciplina de Clínica e Fisiopatologia das Afecções do Sistema Cardiovascular, também no curso de Pós-Graduação da UFRGS, em 1983, 1984 e 1985. É coordenador da Unidade de Ensino e Pesquisa da Fundação Universidade de Cardiologia desde 1981. E, mais ainda, é membro da Associação Brasileira de Educação Médica; integra o Conselho Deliberativo, a Consultoria Técnica de Residência e a Comissão Científica da Sociedade Brasileira de Cardiologia; integra o Colégio Americano de Cardiologia e a Sociedade Brasileira de Investigação, além de duas outras sociedades: a Sociedade Internacional de Cardiologia e a Secção Latino-Americana da Internacional Society. É autor e co-autor de mais de 400 trabalhos científicos. Votos de louvor, prêmios obtidos por trabalhos realizados e condecorações por demonstração de apreço constituiriam uma lista infindável de justos agradecimentos que a comunidade já lhe expressou, da qual ele continua a ser, ainda, sem dúvida, um desinteressado credor.

Rubem Rodrigues tem destacada atuação na vida social e comunitária da nossa cidade, somando sua vida de extraordinário homem da medicina com a de cidadão. Neste Plenário, para confirmar, a presença de vários companheiros do movimento rotário que vêm dar o abraço ao Presidente do Rotary Club Porto Alegre: o rotariano Rubem Rodrigues. De parte do autor, por tudo o que representa o homenageado, este foi, em sete anos de mandato, o 1º título de Cidadão Honorário oferecido à apreciação desta Casa.

O Doutor Rubem Rodrigues dedicou toda a sua vida à cátedra médica e ao exercício profissional da Medicina, que exerce com incomparável brilho, e que nos permite, hoje, dizer que ele, como nenhum outro, dedicou toda a sua vida à vida de seus semelhantes, numa prova inquestionável do verdadeiro sacerdócio no qual transformou sua vocação, seu talento e sua competência. O Professor Rubem Rodrigues – e não receio cometer nenhum erro quando faço esta afirmação – dedicou toda a sua vida à vida de todos nós, cujo reconhecimento, agora, só pode ser expresso pelo mais profundo sentimento de gratidão.

E quando falo em gratidão não me contenho de pensar em Tarso Dutra e do quanto admirava ao Professor Rubem Rodrigues, dedicando-lhe fraternal amizade e uma confiança sem limites. Me permitam que eu testemunhe, neste caso tão próximo, que a dor da irreversibilidade de um mal foi em muito atenuada pela dedicação, pelo carinho de toda a equipe hospitalar que atuava no Instituto de Cardiologia, sob a coordenação de Rubem Rodrigues.

Permita que eu diga, em nome dos seus inúmeros pacientes, admiradores e amigos, em nome desta Casa e em especial em nome de porto Alegre: Muito obrigado Doutor.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: A Mesa sente-se honrada com a presença, entre nós, do Dr. Aldo Pinto, membro do Diretório Nacional do PDT; Dr. Artur Bachini, ex-Deputado Estadual e Procurador do Tribunal de Contas de Estado; Firmino Cardoso, representando a Associação Riograndense de Imprensa e do Dr. Otávio Germano, ex-Governador do Estado e ex-Presidente desta Casa. A Mesa concede, agora, a palavra ao próximo orador, Ver. Artur Zanella, que fala pela Bancada do PFL.

 

O SR. ARTUR ZANELLA: Sr. Presidente, Srs. Vereadores, meus senhores, minhas senhoras. Associo-me ao Presidente Lauro Hagemann que cumprimenta tantas pessoas, que por motivos, evidentemente, de força maior, não integram essa nossa Mesa modesta da Câmara Municipal de Vereadores nesse momento. Hoje é um dia, senhores, que a presença dos cardiologistas, aqui, em grande número é bem-vinda porque hoje é o último dia de apresentação das proposições da Lei Orgânica de Porto Alegre, às 18 horas em ponto. Então, a maioria dos Vereadores, como eu, atrasou-se na entrega dessas proposições e por isso estamos todos correndo, nervosos, estafados, estressados, bem de acordo com aqueles pacientes que procuram o Professor Rubem Rodrigues. O Ver. Vicente Dutra, em seu discurso, fez uma afirmação que eu não sabia; era o primeiro título de Cidadão de Porto Alegre que ele havia apresentado em sete anos. Pois ele apresentou este título exatamente uns dez, quinze dias antes de eu apresentar o mesmo projeto. Consegui com as Secretárias do Professor Rubem Rodrigues o seu currículo, e quando eu apresentei, tinha perdido a hora. Mas eu não queria perder esta oportunidade de, hoje mesmo, com todos esses problemas que nós estamos enfrentando, dar o meu testemunho a respeito do Professor Rubem Rodrigues. Eu o conheci em 1971, 1972, no Governo de Euclides Triches, em que o Professor Rubem Rodrigues pleiteava, pedia, reclamava, solicitava uma série de aparelhos de monitoramento, que era uma novidade aqui no Brasil. Confesso que naquela oportunidade eu nunca tinha consultado praticamente um médico na minha vida, e achava, Professor Rubem Rodrigues, o senhor me perdoe a minha ignorância, que aqueles eram aparelho muito sofisticados para o Rio Grande do Sul e que seu custo, talvez, não compensasse numa relação custo/benefício que eu tinha terminado de aprender na Faculdade de Economia.

Mas acompanhei todo aquele trabalho e aí descobri a amplitude dos problemas cardíacos, em termos de sociedade brasileira, rio-grandense e mundial. Aí que eu fui entender porque havia quase aquela religiosidade quando o Professor Rubem Rodrigues falava sobre aqueles equipamentos e sobre o Instituto. Aquilo era uma espécie de totem, tal o seu amor, tal a sua convicção em tratar daqueles equipamentos e daquele Instituto. Lembro que em determinada oportunidade, já na Prefeitura Municipal, fui lá, e uma moça me pediu determinada coisa. Eu disse a ela: “por que tu não me procuras na minha repartição”. Naquela época eu trabalhava no DEMHAB. Ela me disse que não precisava porque ela sabia que todas as autoridades e todos os funcionários estaduais, federais e municipais, ou a maioria deles, terminava lá no Instituto de Cardiologia. Então, ela achava mais fácil despachar quando eles chegassem lá com seus problemas. Eu, aqui, tenho certeza de que muitos lá estiveram. Mas eu não quero dar a impressão que só os funcionários, só os deputados, só os administradores vão lá. Em sete anos em que sou Vereador e desde 1971, eu já encaminhei dezenas, talvez centenas de pessoas com problemas ao Instituto de Cardiologia. Pobres, ricos, com problemas, sem problemas, impressionáveis, talvez sem salvação, talvez sem solução, e nenhuma pessoa até hoje deixou de ser atendida pela equipe do Prof. Rubem Rodrigues e do Instituto de Cardiologia. É por isso que, nesta tarde, quero dizer que existe homenagem merecida nesta Cidade e neste Estado, se existe uma pessoa que orgulha a Casa do Povo de Porto Alegre, nos orgulha a nós entregarmos esse título ao Prof. Rubem Rodrigues. E eu gostaria que S. Exª, no seu discurso, não agradecesse a Casa a concessão dessa honraria. Nós é que temos que agradecer pela sua presença na Câmara Municipal de Vereadores. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Dando prosseguimento a esta Sessão Solene, vamos proceder à entrega do Diploma e da Medalha de Porto Alegre ao nosso novo concidadão. Convido o autor da proposição, Ver. Vicente Dutra, a fazer a entrega do Diploma e o Sr. Prefeito Olívio Dutra para que proceda à entrega da respectiva Medalha.

(O Sr. Vicente Dutra procede à entrega do Diploma.)

 

(O Sr. Prefeito Olívio Dutra procede à entrega da Medalha.)

 

O SR. PRESIDENTE: A Mesa tem a honra de conceder a palavra ao nosso homenageado, Prof. Rubem Rodrigues.

 

O SR. RUBEM RODRIGUES: Exmo Sr. Lauro Hagemann, 1º Secretário da Câmara Municipal de Porto Alegre, na Presidência desta Sessão Solene; Dr. Olívio Dutra, DD. Prefeito Municipal de Porto Alegre; Dr. Quintiliano Vieira, representando o Sr. Governador do Estado do Rio Grande do Sul, Dr. Pedro Simon; Dr. Humberto Lorenci, representando o Vice-Governador e atual Presidente da Caixa Econômica Estadual, Dr. Sinval Guazelli; Dr. Fernando Luchese, meu companheiro e Diretor do Instituto de Cardiologia; meu dileto discípulo, Dr. Celestino Granato Goulart; Exmo  Sr. Ver. Vicente Dutra que, por motivos que ouso ignorar, propôs que esta colenda Câmara de Vereadores me outorgasse o título que muito me enobrece e que hoje humildemente recebo; ilustríssimos Senhores Vereadores e representantes de todos os Partidos que honram e prestigiam esta Casa; autoridades federais, estaduais e municipais aqui presentes e representadas; meus amigos de todos os matizes políticos, sociais e profissionais, porque a amizade desconhece fronteiras; meus queridos funcionários do Instituto de Cardiologia e da Fundação Universitária de Cardiologia, que há 20 anos me acompanham, que abraçaram meus ideais acreditando no rumo que tracei para galgar um objetivo acalentando com convicção, mas atingido por obstinação, compulsão e teimosia; meus queridos familiares que vieram prestigiar este momento, um dos mais felizes de minha vida. Vocês que me dão amor, compreensão, carinho, dedicação e crédito, que compreenderam e aceitaram com estoicismo e magnanimidade; minhas senhoras e meus senhores.

Há momentos na vida de um homem que valem por uma vida toda. Este é um deles. E o é, porque este honroso título que hoje me é outorgado representa para mim mais do que uma honraria, porque antes de mais nada, ele simboliza a dedicação, a admiração e, sobretudo, o amor que eu venho dedicando ao longo de minha vida a esta leal e valorosa Cidade de Porto Alegre que, espontânea e livremente, escolhi como minha segunda cidadania. Isto porque foi aqui que encontrei o berço esplêndido que acalentou meus sonhos, a senda segura que orientou meus passos, permitindo torná-los uma radiante realidade. 

Quando aqui aportei, numa manhã de março de 1943, trazia junto à minha bagagem um temor incontido de quem, longe de seus familiares e dos seus pagos, enfrentava, pela primeira vez, a grandiosidade da metrópole desconhecida, que, nas fantasias de sua provinciana adolescência se apresentava como algo fantástico e inacessível.

Pouco a pouco, entretanto, no decorrer do curso colegial e do universitário, fui adquirindo familiaridade com seus costumes, sua rotina e seus problemas a ponto de, ao concluir o curso de Medicina, no ano de 1950, sentir-me quase um cidadão porto-alegrense.

Aqui me casei e vi nascer meus filhos. Daqui, parti um dia para um prolongado estágio no exterior. Para cá retornei como se fora a minha cidade natal, tal a saudade que me embargava a mente. E foi assim que atingi a década que revolucionou o mundo, a dos anos sessenta. Tudo mudava celeremente, assustadoramente e o Brasil acompanhava as mudanças. Juscelino Kubitscheck remove a poeira dos arquivos do nosso progresso, asfaltando estradas e criando a indústria automobilística, enfim, iniciando a construção de Brasília.

Infelizmente, entre tantos fatos favoráveis, a guerra do Vietnã domina as primeiras páginas dos jornais, e o mundo apavora-se ante a possibilidade de eclosão de uma nova guerra mundial.

Afortunadamente, “como para compensar as inúmeras explosões bélicas e guerras quentes feitas para matar, a década de 60 produziu uma das mais extraordinárias explosões silenciosas do século: a explosão biológica feita para a vida”, como afirma em seu livro G. Rattway Taylor. Na realidade, em 1960, as mudanças são tão surpreendentes e abrangentes que não era possível sequer classificá-las: a liberação das pílulas anticoncepcionais; a recuperação, intacta, da cápsula do foguete espacial Discover 13; o Spoutniks, levando a bordo as cadelinhas Strelka e Belka; o desenvolvimento, por Albert Sabin, da vacina oral contra a poliomielite.

Em 1961, quase simultaneamente com o concurso a que me submeto para concorrer à livre-docência da Faculdade de Medicina da UFRGS, o cosmonauta russo Iuri Gagarin realiza o primeiro vôo orbital tripulado da história espacial. Pouco depois, Allan Shepard concretiza o primeiro vôo espacial norte-americano. No Brasil, o presidente Jânio Quadros, após condecorar “Che Guevara”, que visita o Brasil, renuncia intempestiva e irrevogavelmente ao cargo, criando um impasse político de enormes proporções.

Ao ano de 1962 estava reservado um grande avanço na cardiologia: Mason Sones realiza, em Cleveland, a primeira cinecoronariografia, abrindo novas perspectivas para o diagnóstico e o tratamento da doença aterosclerótica coronariana. É introduzida a residência médica no Rio Grande do Sul, cabendo-me organizá-la e coordená-la na saudosa Enfermaria 29 da Santa Casa de Porto Alegre, então sob a chefia do eminente Professor Rubens Maciel, meu mestre e estimado amigo.

Enquanto isso continua a revolta dos estudantes, sobretudo nos EUA, no Japão e na Itália. São os mutantes da nova “era oral e tribal em dimensões planetárias, produzidos pelas comunicações de massa”, segundo Marshal Mcluhan. Os jovens de 15 a 24 anos são ao mesmo tempo mitos e desmistificadores da sociedade.

Em tal situação é difícil dedicar-se serenamente à pesquisa e ao ensino. O movimento estudantil é cada vez mais intenso na França e nos EUA, repercutindo no Brasil. Os “hippies” predominavam entre os jovens das grandes cidades, com seu popular “slogan” make-love, not war. Os Beatles e os Rolling Stones imperam freneticamente, levando ao delírio e ao orgasmo mental multidões de teenagers. A juventude rompe com tudo: com a universidade, com a família, com as artes, com os partidos. Diante desta explosão generalizada de violência juvenil, o mundo começa a buscar resposta. “Nossa juventude tem tudo menos algo, mas esse menos algo é essencial”, diz, diante desse quadro, Robert Kennedy.

É neste ambiente, político, social e econômico que me cabe assumir, como professor titular, a recém-criada disciplina de cardiologia, da Faculdade Católica de Medicina, atendendo ao insistente convite do insigne e ilustrado Professor Heitor Cirne Lima.

Diante de tantas tensões a desenrolarem-se no mundo, faltava apenas um epílogo e este acontece inopinadamente: John Fitzgerald Kennedy é assassinado em Dallas na manhã de 22 de novembro. Setenta e oito por cento da população negra que nele votara chora, desesperadamente, a morte daquele que mais direitos lhe concedera. Face à desgraça norte-americana, mais uma vitória russa: é lançada no espaço, na cápsula espacial Vostok 5, a primeira cosmonauta Valentina Tereshkova.

Em 1964, no mês de março, recém iniciadas as novas atividades da disciplina de cardiologia, eis que eclode a Revolução de 31 de março, com a deposição do presidente João Goulart. Esse desfecho era mais ou menos previsto ante os acontecimentos que a precederam. Mas a repercussão na universidade é extremamente desgastante. Recrudesce a revolta estudantil, professores e alunos perdem a intimidade, pois é inevitável o temor de denúncias de parte a parte. O prédio da UNE, no Rio, é queimado e a organização extinta. Mesmo assim, o trabalho continua, agora com exclusividade, pois o noticiário político torna-se monótono e tranqüilo. Revoltam-se os estudantes na Checoslováquia, nos EUA e no Japão e centenas deles são presos. Naqueles países a situação era realmente alarmante. Os jovens espalham-se ruidosamente pelos bares, quebrando tabus (fumando, bebendo e se beijando em público), escandalizando famílias. É a geração problema, existencialista, que se alimentava da “náusea” de Sartre e do absurdo de Camus, mergulhando suja e despenteada nas caves de Saint-Germain-de-Prés para se embebedar de absinto e de canções de Juliete Greco. Nos EUA, esses jovens eram dependentes de LSD, introduzido na tradicional Universidade de Harvard por um professor de psicologia, Timothy Leaser, mais tarde expulso dessa Universidade, quando o escândalo explodiu publicamente.

Enquanto isto a ciência e a tecnologia continuam a dar saltos espetaculares. Os sonhos de Julio Verne perdem o encantamento, a ficção científica deixa de sê-lo e uma frase hiperbólica domina a década: “nada mais é impossível, apenas não foi ainda inventado”. Os programas espaciais continuam celeremente nos EUA com franco apoio do novo Presidente Lindon Johnson. A lua é atingida e fotografada; os russos lançam no espaço uma espaçonave com dois tripulantes.

Surge enfim, o ano de 1966, aquele que vê nascer a nossa fundação, motivo pelo qual será o fato principal aqui narrado. Tudo acontece de forma tão inusitada e célere, que se torna difícil acreditar. O detonador e a derrocada da cirurgia cardiovascular na Enfermaria 30 da Santa Casa, com a saída do grande cirurgião cardiovascular Cid Nogueira. É o estopim que faltava para detonar a explosão de planos e projetos que estavam engavetados desde 1959. Com uma doação, da Companhia Ipiranga de Petróleo, instituímos a Fundação Universitária de Cardiologia, por escritura pública lavrada em 08 de outubro.

Em 1965, enfim, cai a inflação brasileira, mas junto com ela são cassados os direitos políticos de vários ativistas partidários e de alguns professores e estudantes universitários. Enquanto isso, em Brasília, o Reitor da Universidade pede intervenção do Exército. Em Tóquio, 15 estudantes “zengakuren” manifestam-se diante da Embaixada dos EUA.

Lançado ao espaço, “o early bird” possibilita a transmissão via TV entre vários continentes. É o mais significativo avanço.

Inicia-se a revolução social que ganha mais adeptos. Explorando-a, aproveitando o choque, a resistência dos tabus e a pressão libertária da época, a publicidade cria uma dinâmica erótica que iria impregnar a dinâmica da humanidade. Mary Quant tenta lançar a minissaia, mas elas sobem somente sete centímetros acima dos joelhos.

É introduzida a cinecoronariografia no Brasil por José Eduardo de Souza. Ninguém espera, entretanto, que alguns meses após ocorresse um dos feitos mais relevantes da cardiologia: a 03 de dezembro, no Hospital Groote Schuur, na Cidade do Cabo (África do Sul), o Dr. Cristian Barnard realiza o primeiro transplante de coração humano: enxerta o órgão retirado de Denise Darvald, de 25 anos, em Louis Washkansky, de 55 anos, vítima de miocardiopatia dilatada, que veio a morrer de pneumonia dezoito dias após. É o fermento que emerge para motivar as autoridades a liberar recursos para a construção do IC-FUC.

Ao ano de 1968 estão reservados grandes feitos no espaço, mas também na área da saúde. Nosso Instituto prepara-se para acompanhá-los. A 02 de janeiro, o coração de Clive Haupt é transplantado no Dr. Philip Blaiberg, dentista de 58 anos, também realizado pelo Dr. Barnard. A partir de então, mais de uma centena de transplantes cardíacos foram feitos durante o ano com a sobrevivência de quarenta. O Professor Zerbini, em São Paulo, realiza o primeiro transplante na América do Sul e no Brasil. Por uma feliz coincidência, são iniciadas as obras do novo prédio do Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul, com a implantação de estacas e das fundações, na manhã de 25 de abril.

Enquanto Chico Buarque de Hollanda faz sua “Banda” passar, a NASA faz o primeiro acoplamento no espaço, com David Scott e Neil Armstrong à bordo da Gemini 8, e faz pousar novamente na lua a nave Surveyor. Incrível e histórica coincidência, os fatos que estão preparando o pouso do homem na lua são simultâneos com aqueles que são preparatórios do novo Instituto de Cardiologia.

Mas a sorte nos é madrinha, ao contrário do que acontece com os projetos espaciais, porque 1967 é o ano dos primeiros mártires do espaço. Mas a FUC vence. Surge o convite do Professor Marques Pereira para que eu assuma a direção do Instituto de Cardiologia e é, assim, desencadeado todo o processo de planejamento e articulações, que terá um feliz epílogo dois anos após. Aos poucos, vamos atraindo os jovens da nova geração de cardiologia que emerge da Residência Médica da Enfermaria 29, dos assistentes de ensino da Disciplina de Cardiologia e todos aqueles que, apesar de tudo, acreditam em nossos projetos; visionários quiméricos.

Não há recursos, mas esses surgem como por encanto. Nicanor Kremer da Luz, Guilherme Moogen, Milton Assmann, Luciano Machado, Francisco Machado Villa, Valdir Lopes, Hed Borges, Pedro Simon, Mário Médici e Hermes Taller destacam-se entre Secretários de Estado. Políticos e funcionários que, de uma forma ou de outra, direta ou indiretamente, auxiliam para que seja firmado o convênio entre a FUC e a Secretaria da Saúde e para que sejam liberados os recursos necessários para a construção e o equipamento do prédio do Instituto de Cardiologia.

No afã de conseguir recursos para levar avante nossos planos e projetos em relação ao IC-FUC, raramente deixo-me envolver pelos acontecimentos de então. Mas a época é preocupante: os estudantes lutam na clandestinidade contra o regime autoritário implantado no País. Nem tudo é bem-vindo neste ano. Em abril, Luther King é assassinado; pouco depois, em junho, o mesmo ocorre com Robert Kennedy, em Los Angeles. Tristes acontecimentos que, paradoxalmente, cursam no ano em que maior esforço é despendido em salvar vidas humanas. Mas a época é de contestação. Em maio, explode a Segunda Revolução Francesa, incubada desde 22 de março, em Nanterre, quando o edifício administrativo da Universidade foi invadido. Os acontecimentos de maio repercutem no mundo inteiro. As ruas de Paris transformam-se em praça de guerra entre a polícia e os estudantes, estes comandados por Daniel Cohn Bendit e seus leais companheiros Alain Geimar e Jacques Savageot. Armam-se barricadas no Quartier Latin; o Chefe de Polícia Maurice Grimond desespera-se e De Gaule brada: “Non, à la chienlit!” (Não à baderna!). Os franceses ficam atônitos, pois afinal são seus filhos que armam este tumulto. O furacão passou, mas depois daquele episódio, a França e o mundo tiveram que mudar. É a triste memória de uma época que transpirou rebeldia.

Realiza-se, em julho, o XXIV Congresso Brasileiro de Cardiologia, durante o qual inaugura-se, contra a expectativa de muitos e a incredulidade de quase todos, o Centro Cirúrgico do IC-FUC, com a presença do Dr. Zerbini, pioneiro dos transplantes cardíacos no Brasil que empresta seu nome ao mesmo. Mais uma feliz coincidência, como se fora uma predestinação histórica: no ano de feitos tão marcantes na história da cardiologia foi inaugurado o local onde quinze anos após seria reiniciado o programa de transplantes cardíacos no Brasil, abandonado por Zerbini face aos insucessos da época.

Se o ano é de grandes feitos, o IC-FUC tem que ser um deles. Assim, quando no mês de dezembro a nave Apollo 2 é lançada em direção à lua, com três astronautas norte-americanos à bordo, entra em órbita lunar e volta à terra com um atraso de apenas três minutos, é dito que é mais fácil o homem descer na lua do que ser concluído e equipado o prédio do IC-FUC. Respondo que, quando homens puserem os pés na lua, o Instituto de Cardiologia já estará inaugurado e funcionando. Ordeno que as obras sejam aceleradas, com trabalhos também à noite.

Chega, finalmente, o último ano da década, superando tudo o que até então fora feito: Barnard faz novos transplantes. Bate o recorde de sobrevivência o dentista Philip Blaiberg. Mas o verdadeiro recordista de transplantes do ano é o Dr. Denton Cooley, de Houston, que emprega pela primeira vez um coração artificial.

Ante tanto progresso na área da medicina, o programa espacial não poderia fracassar. Com efeito, às 23h56min de domingo, dia 20 de julho, o primeiro homem pisa na lua. Neil Armstrong, Edwin Aldrin e Michael Collins, a bordo da Apollo 11, realizam a façanha mais extraordinária da história espacial.

Três meses antes, às 20 horas do dia 25 de abril, é inaugurado, festivamente, o prédio do Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul, com a presença do Governador Walter Peracchi de Barcellos e do Secretário da Saúde, Professor Francisco Marques Pereira. A promessa é soberanamente cumprida: a inauguração aconteceu antes do homem pisar o solo lunar.

Srs. Vereadores a quem venho respeitando por tantos anos chamando de Vereadores, agora que este título me foi concedido e que fui proibido de agradecer, quero chamá-los, daqui por diante, meus conterrâneos. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: A Mesa tem o dever de agradecer a presença de tão ilustres personagens nesta nossa festa, uma festa que é da Cidade, que foi dedicada a homenagear um cidadão que, como tantos de nós, veio de outras plagas deste Estado e que aqui se aquerenciou a ponto de fazer de Porto Alegre a sua segunda cidade. Quem se sente honrado é Porto Alegre, a sociedade porto-alegrense que, aos milhares, acorre ao Instituto de Cardiologia todos os dias, todos os meses, todos os anos. Essa sociedade rio-grandense que tem encontrado, no Instituto de Cardiologia, um porto seguro para os seus males, para os seus distúrbios que hoje se avolumam nessa área física do nosso corpo. E o Dr. Rubem Rodrigues certamente não se sentirá diminuído ao compartilhar a honra do título de Cidadão de Porto Alegre, que hoje recebe desta Casa, com os seus colaboradores do Instituto de Cardiologia.

A Casa, mais uma vez, agradece a presença de todos, do Sr. Prefeito, do Dr. Fernando Lucchese, do Dr. Quintiliano Vieira, do Dr. Humberto Lorenci, do Dr. Celestino Goulart, do Dr. Darci Piegas Cordeiro, da Srª Glacy Caruccio, do Dr. Aldo Pinto, do Dr. Artur Bachini, do Jornalista Firmino Cardoso, do Dr. Otávio Germano e de todos os amigos do nosso concidadão Prof. Rubem Rodrigues.

Muito obrigado pela presença de todos e encerramos, neste momento, esta  Sessão Solene.

 

(Levanta-se a Sessão às 18h16min.)

 

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